“Um casal de rapazes gays entra no supermercado Carrefour de Piracicaba e ouve um dos seguranças dizer aos outros pelo rádio: ‘Estão entrando dois veados!’
Muitos teriam engolido a ofensa, mas, segundo relatado em juízo pela dupla, os dois: 1) Questionaram o funcionário; 2) Procuraram uma chefe dele, em vão; 3) Por fim, registraram queixa e processaram a empresa.
Com base na Lei da Homofobia, o caso acabou em multa de R$ 48 mil ao Carrefour em agosto de 2008. Em outro caso, o mesmo supermercado foi multado em R$ 15 mil depois que travestis disseram ter sido xingados por empregados do local.
Os exemplos fazem do Carrefour uma exceção no país. Apesar de vigorar desde novembro de 2001, a lei estadual 10.948, que pune quem xingar ou agredir pessoas declaradamente gays, só rendeu sete multas até hoje.
Segundo a Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania, que coordena as ações, foram recebidas 144 denúncias de homofobia até hoje. Dessas, 46 viraram processos que estão em andamento e outras 28 foram arquivadas principalmente por desistência do denunciante, muitas vezes por falta de provas.
Outros 41 acusados - pessoas ou empresas - foram absolvidos. Dos casos condenados, 22 resultaram em advertência. Se há multa, o dinheiro vai para os cofres do Estado. É preciso pagá-la para poder recorrer.
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Até hoje, nenhum bar ou restaurante teve o alvará cassado, uma das penas previstas na lei. A última polêmica envolvendo suposta agressão por preconceito ocorreu em um bar em Campinas na sexta-feira.”
Reparem que a matéria diz que o supermercado é ‘uma exceção no país’. Mas, na verdade, ele é uma exceção no estado pois, como a matéria explica logo a seguir, trata-se de uma lei estadual, e uma lei estadual não tem validade fora do território daquele estado. As unidades federativas são absolutamente independentes entre si e não podem fazer leis que sejam aplicadas na jurisdição de outra unidade federativa. Em outras palavras, a jurisdição de uma unidade federativa não interfere com a jurisdição de outra unidade federativa.
Aliás, vale lembrar que a lei referida acima não é uma lei penal. Como podemos saber isso? Simples: as unidades federativas, no Brasil, não tem poder de fazer leis penais. A rede supermercadista foi punida não porque cometeu um crime, mas porque, para funcionar naquele estado precisa da autorização do governo estadual, e a alternativa à multa é a perda de tal autorização. A multa aplicada pela lei é uma multa administrativa e não penal. Aliás, para evitar que a constitucionalidade dessa lei fosse questionada, ela deixou claro no seu art. 4o que se trata de uma punição administrativa, apenas: "a prática dos atos discriminatórios a que se refere esta lei será apurada em processo administrativo".